domingo, 17 de julho de 2022

Cronologia da História do Brasil

      A divisão temporal da história é uma ferramenta que busca colaborar na compreensão das ações humanas em sua trajetória ao englobar uma série de eventos em determinados marcos temporais e denominá-los conforme suas características gerais. 

    Nesse quesito, a História do Brasil é basicamente dividida em cinco (5) grandes blocos com subdivisões internas: Pré-Cabralino, Pré-Colonial, Colonial, Império e República. Veremos abaixo essas divisões e suas principais características.

Pré-Cabralino: Sua nomenclatura faz referência a Pedro Álvares Cabral, que chegou ao Brasil em 1500 para reconhecer oficialmente o que território que de acordo com o Tratado de Tordesilhas pertencia a Portugal. Esse momento se estende desde os primeiros indícios  da chegada do ser humano a América até a passagem de Pedro Álvares Cabral pelo Brasil. Trata-se, portanto, é marcado por uma série de interações entre os povos que os europeus denominaram de índios. Espalhados por todo o atual território brasileiro, os povos nativos, ou originários trasitaram e se relacionaram ao longo de milhares de anos antes dos europeus começarem a se estabelecer neste território.


Pré-Colonial: Faz referência aos primeiros momentos que os portugueses, e outros estrangeiros,  iniciaram os contatos com os povos nativos. É marcado pela extração de madeira e pelo escambo, ou troca de produtos, com as populaçõe indígenas. Não havia um projeto efetivo para colonização, o período pré-colonial foi encerrado quando foi decidido, em 1534, dividir o território brasileiro em Capitanias Hereditárias.


Período Colonial: Iniciou com a instauração das Capitanias Hereditárias, em 1534, e finalizou com a Independência, em 1822. O Brasil esteve sob o domínio de Portugal, sua metrópole, por isso esse momento também pode fazer referência à América Portuguesa. Foi marcado pelos chamados ciclos econômicos do açúcar, séculos XVI e XVII, e o ciclo do ouro, século XVIII. A mão de obra utilizada inicialmente ocorreu por meio da escravidão indígena, mas ainda no século XVI o tráfico de escravos oriundos da África foi iniciado.


Periodo Imperial: Em 1822 foi declarada a separação do Brasil de Portugal por Dom Pedro I, que se tornou imperador do Brasil. Seu governo foi marcado pela criação da primeira Constituição brasileira, em 1824, e por diversos conflitos, a exemplo da Confederação do Equador, também em 1824, e a Guerra da Cisplatina, no ano seguinte. A subdivisão do Brasil imperial quando foi governado por Dom Pedro I é chamada de Primeiro Reinado. Ele abdicou em 1831 e foi para Portugal na tentativa de assumir o trono português. Seu, também com o nome de Pedro, não pode assumir o império brasileiro em decorrência da sua idade, com isso, o Brasil foi governado por regente, caracterizando a subdivisão denominada de Perído Regencial. Esse momento foi marcado por diversas rebeliões e por crises econômicas. Em 1840 Dom Pedro II foi coroado imperador, encerrando a regência e iniciando o Segundo Reinado. No seu governo ocorreu a proibição do tráfico transatlântico de escravos, e a promulgação de alguns lei que gradualmente foram dificultando a manutenção da escravidão, até que em 1888 ela foi definitavamente abolida. O Segundo Reinado também foi marcado pela Guerra do Paraguai, e a insatisfação dos militares do exército que lutaram nela, pois não se viram prestigiados pelo governo quando retornaram vitoriosos daquele conflito. Economicamente ocorreu a ascensão do café como principal produto. Em seu governo, Dom Pedro II teve uma querela com a Igreja Católica em decorrência da proibição dos maçons nesta instituição e ocorreu o crescimento movimento republicano. O Segundo Reinado, bem como o Brasil Império, chegou ao fim com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, realizada pelo Marechal Deodoro da Fonseca.





Período Republicano: Iniciado em 15 de novembro de 1889, estando como forma de governo até nossos dias. Passou por diversas fases, ou subdivisões, que por sua vez pode conter outro subdivisões: Primeira República, também chamada de República Velha, República das Oligarquias ou República do Café com Leite; Era Vargas; Segunda República, ou República Populista; Ditadura Militar e Nova República. A Primeira República, por exemplo, em decorrência de ter sido presidida inicialmente pelo marechal Deodoro da Fonseca, e em seguida pelo marechal Floriano Peixoto, os seus governos é denominado República dos Marechais. A Era Vargas é subdividida em governo provisório, governo constitucional e Estado Novo. O momento atual é denominado de Nova República, que teve seu início com a eleição para presidente da república do civil Tancredo Neves, em 1985, substituindo os governos militares que estavam no poder desde 1964.





Assista no YouTube a aula sobre esta divisão:



terça-feira, 28 de setembro de 2021

Revolta dos Malês em Alagoas (1815)

    O termo malê era usado como sinônimo de muçulmano, ao menos na Bahia, em 1835, quando houve uma revolta de escravos e libertos (REIS, 2003, p. 115). Os malês, portanto, teriam chegado ao Brasil através do comércio de escravos com a África.

    Em 1814 ocorreu uma revolta de escravos no Recôncavo baiano, e historiadores têm apontado que após o sufocamento da rebelião teria ocorrido a fuga de alguns para o que hoje se denomina Estado de Alagoas, à época Comarca de Alagoas e pertencente a Capitania de Pernambuco. Aqueles escravos que teriam escapado da repressão à revolta na Bahia se organizaram para promover outro movimento em Alagoas no ano de 1815.

Foi, entre os anos de 1814 e 1815, que os cativos da comarca das Alagoas, possivelmente em conjunto com negros ali aquilombados e provenientes de revoltas escravas da capitania da Bahia, começaram a tramar o que as autoridades coloniais de Pernambuco chamaram, mais tarde, de ‘sublevação e sedição dos negros’. Sua intenção, conforme ainda as autoridades, era ‘matar, tomar as terras dos brancos na noite de Natal do ano de 1814’, mas, circunstâncias imprevistas transferiram para a mesma noite de 1815 a eclosão da revolta” (SILVA, 2001, p. 38).

Sobre a origem do termo malê, o historiador João José Reis escreveu o seguinte:

Nina Rodrigues, primeiro estudioso competente dos malês, sugeriu que o termo se deriva de Mali, o poderoso estado muçulmano da Costa do Ouro. Contudo, a explicação que nos parece mais sensata até agora é a de Pierre Verger, que associa o termo malê a imale, expressão iorubá para islão ou muçulmano. Imale, por sua vez, é apontado como sendo derivado de Mali. Desta forma, Nina, Etienne, Bastide e outros estudiosos que apontam a etnia malinke como origem de “malê” teriam passado por cima de uma palavra mais próxima. Mali estaria então na origem da origem, na ordem Mali – imale – malê, que acreditamos a mais correta. (REIS, 2003, p. 115)

Acrescentando que na Bahia, do século XIX,

"malê” não se refere a nenhuma etnia africana particular, mas a qualquer africano que tivesse adotado o islã. Assim, havia nagôs, haussás, jejes, tapas e possivelmente mandingas – enfim, pessoas pertencentes a diversas etnias – que eram malês. (REIS, 2003, pp. 115-116)




    Em Alagoas os escravos africanos adeptos do islamismo também eram identificados por Malê (DUARTE, 1958, p. 25). Outro grupo, ou “nação”, além dos malês, eram identificados como muçulmanos, os haussás (REIS, 2003, p. 116).

No entanto, é errado afirmar a exclusividade dos haussás nos negócios islâmicos na Bahia. Como vimos, o islã era uma religião em expansão nos reinos iorubás, e certamente centenas de iorubás muçulmanos aqui aportaram como escravos. Não duvidamos, inclusive, que por volta de 1835 os malês baianos fossem nagôs na sua maioria e não filhos de etnias minoritárias como o haussá ou, menor ainda, a tapa. De qualquer modo, os malês-nagôs tinham poder e prestígio dentro da comunidade muçulmana. (REIS, 2003, p. 117)


    Além de ter sido articulado por escravos muçulmanos que fugiram da Bahia. A rebelião também contava com libertos e índios: “Em Alagoas configurou-se uma prática existente nas revoltas baianas, a articulação entre aquilombados, escravizados e libertos que habitavam as vilas e cidades – era essa prática que viabilizava a estratégia e o planejamento do levante” (MARQUES, 2018, p. 151). Geraldo Luiz da Silva afirmou que não foi “a primeira vez que índios e negros pareciam construir um projeto comum de sedição”, porquena conspiração haussá abortada em Salvador, em maio de 1814, estavam envolvidos, além de ‘alguns mulatos e crioulos de fora da cidade’, alguns índios, que, segundo uma fonte, ‘queriam a sua terra que os Portugueses lhes tinham tomado’”. (SILVA, 2001, p. 43)

    Os dois principais lugares que os revoltosos se mobilizaram foram Penedo e Alagoas do Sul, atual cidade de Marechal Deodoro, que era a sede da Comarca. Mas era em Penedo que “havia maior número de negros Haussás, vindos da Bahia, negros que, por longos anos ainda depois, para lá se encaminharam” (DUARTE, 1958, p. 31). A revolta deveria ocorrer na noite de 25 de dezembro de 1815 na Comarca das Alagoas, “um movimento insurrecional, instigados pelos Haussás evadidos da Bahia” (DUARTE, 1958, p. 43). A data não foi escolhida por acaso, pois “muitas revoltas escravas eram planejadas para os dias de festas” (MARQUES, 2018, pp. 154-155). Esses momentos seriam mais propícios ao sucesso, pois nos momentos de celebração e divertimento haveria menos vigilância por parte das autoridades e da população em geral.

    As autoridades locais ficaram sabendo do movimento, e o ouvidor da Comarca, Antônio Batalha afirmou que em julho de 1815 recebeu informações que “os escravos negros seduzidos por alguns que e escaparam da sedição da Cidade da Bahia se pretendiam sublevar” (MARQUES, 2018, p. 155), e com isso passou a tomar providências, iniciando as diligências e prisões dos suspeitos antes que a revolta eclodisse:

Começaram desde logo as prisões, a torto e a direita, e lavraram-se “os autos de achada de ferros ofensivos, e de perguntas de onde suficientemente constara a intimação criminosa”. Arrancaram-se as confissões. Os detidos foram em número de vinte e seis (26), entre os quais “onze dos que se se propunham os mais temíveis”. Sempre minucioso nos detalhes de suas diligências, ainda ver o Ouvidor Batalha a Sua Alteza Real que não podendo prever “as consequências das prisões que fizera e das que teria de fazer”, removeu alguns presos para Pernambuco e para a cadeia da Vila de Atalaia, conservando outros poucos na cadeia da Vila das Alagoas que, além de pequena, não oferecia segurança. Mandou ainda afixar editais concitando os senhores de escravos e habitantes da Comarca a lhe comunicarem “os rumores ou movimento de seus escravos”, receoso de que as prisões efetuadas excitassem o ânimo dos escravos negros e dos libertos e precipitassem os acontecimentos. Deixou a Vila das Alagoas somente depois de haver estabelecido um sistema de policiamento completo, capaz de assegurar a tranquilidade e perfeita fiscalização dos negros evadidos da revolta da Bahia” (DUARTE, 1958, pp. 48-49).


    As prisões também ocorreram pela denúncia dos senhores contra seus escravos que eram considerados suspeitos.

    A mobilização da população negra em Alagoas caracterizou mais do que uma revolta sufocada, conforme aponta Danilo Luiz Marques quando descreve que ao estudar as circunstâncias “depara-se com revoltosos bem articulados que detinham uma ‘estratégia política de resistência’, o que gerou enfrentamento com o poder senhorial durante meses” (MARQUES, 2018, p. 18). Não foi um evento isolado, teria se articulado com outros movimentos na Bahia.

O autor esclarece que

Em vez de uma revolta reprimida pelas autoridades antes de sua eclosão e sem nenhuma espécie de resistência por parte dos revoltosos, ou seja, uma conspiração premeditada e sufocada pelo ouvidor Batalha, percebem-se fortes indícios de que foram tensos e conflituosos os meses de julho e agosto de 1815 na comarca de Alagoas. Não à toa, o Marechal-Inspetor José Roberto Pereira da Silva relatou em correspondência endereçada ao governador de Pernambuco a urgência e o anseio pela chegada das tropas formadas por indígenas com a finalidade de adentrar as matas e capturar os revoltosos foragidos. Essa informação somada à ocorrência de assaltos aos casarões dos senhores de engenho na região de Tuquanduba mostram que a sedição foi, sim, premeditada pelas autoridades, mas essa ação levou também a resistências, e não ao seu sufocamento imediato. Os revoltosos se estabeleceram nas matas ao redor da Vila de Alagoas com o intuito de se rearticularem, objetivavam rever seus planos e ações de acordo com a nova conjuntura que estava posta” (MARQUES, 2018, p. 165).


    Em agosto de 1815 um contingente militar foi enviado do Recife para Alagoas, e em novembro o marechal que comandava tropa informou que “acerca da tranquilidade então reinante na comarca das Alagoas, posto que seus moradores estavam ‘mais sossegados dos receios com que estavam aterrados, e de não haverem quilombos alguns, segundo as partes que recebo dos Comandantes mais remotos’” (SILVA, 2001, p. 51); neste momento os revoltosos presos estavam sendo interrogados na cidade do Recife, capital pernambucana Enquanto. Durante o trâmite do julgamento alguns morreram na cadeia e no ano seguinte saiu a sentença: alguns foram enviados para a prisão na ilha de Fernando de Noronha, outros condenados a açoites e à forca para o que foi considerado líder da rebelião.

Ao todo, 38 pessoas foram implicadas na insurreição, sendo que um deles, como se verá melhor adiante, era um “homem branco filho de Portugal”. Entre os cativos, 24 pessoas pareciam ter participado diretamente da organização da sedição, enquanto os demais foram apenas tidos como “suspeitos”. A festa, curiosamente, revelou-se naquela ocasião não apenas motivo de enlevar-se espiritualmente, mas uma forma estratégica de planejamento. (SILVA, 2001, p. 40)


    Em novembro de 1815, o marechal Pereira da Silva “informava acerca da tranquilidade então reinante na comarca das Alagoas”, e que não havia mais indícios ou movimentações suspeitas que caracterizasse uma rebelião.

Conclusivamente, pode-se dizer que o planejamento da sedição da comarca das Alagoas tinha um padrão impressionantemente comum em relação às revoltas baianas do mesmo período. Tal como estas, aquele plano foi preparado ao longo de ‘batuques’, regados com bebidas espirituosas e muitos brindes à nova era; através daquele projeto estabeleceram-se contatos entre cativos da cidade e negros aquilombados nas matas; o levante tinha como data de eclosão um dia religioso — o Natal, no qual as autoridades militares estariam mais relaxadas —; acresce-se que o plano fora articulado por lideranças que se situavam no interior de hierarquias constituídas pelos negros livres e escravos; finalmente, é fato indicado na devassa que suas lideranças eram cativos da ‘nação’ haussá, embora, como em outros casos ocorridos na Bahia na mesma época, adesões de escravos de outras ‘nações’, incluindo até mesmo uma possível aliança indígena, também tenham se verificado. Acostumado ao marasmo de sua capitania, o governo de Pernambuco teve dificuldades em lidar com esse inusitado conjunto de fatos”. (SILVA, 2001, p. 44)


    Em suma, uma resistência mobilizada por uma população majoritariamente negra, escravos ou libertos, mais também que contou com a participação da população indígena. Não foi um movimento esporádico, mais contou com uma articulação e mobilização entre os seus participantes, possivelmente que circulavam entre a Bahia e Alagoas:

a organização do movimento dos cativos alagoanos decorria principalmente de um sentimento étnico, pois, como foi notado naquela ocasião, “o projeto de sedição lavrava principalmente pelos escravos da Nação Ussá, e pelos de gentes pobres, que por isso tinham mais liberdade na Vila das Alagoas, e Povoações sobreditas de seu termo, sem contudo ser em geral ignorado dos escravos de outras Nações, e de outras Vilas, que de noite, de grandes distâncias, e pelo interior das matas vinham ao Quilombo dos negros fugidos da sedição da Bahia”. Tais quilombolas, ademais, pareciam “deliberados a tomarem as armas contra os Brancos logo que rompesse a sedição”. Infelizmente, apenas 7 dos 38 implicados na sedição de Alagoas tinham a indicação de sua origem africana; todos os 7 eram genericamente indicados como oriundos da “Costa da Mina”, exceto dois, cujas “nações” tinham sido rigorosamente discriminadas: um fulani e um haussá, ambos chamados João, e ambos de propriedade do mesmo senhor, o Capitão Antônio Firmiano de Macedo Braga. Parece clara, portanto, como se afirma neste documento, uma identidade originada na África Ocidental dos principais implicados na sedição, o que remete, mais uma vez, à ideia segundo a qual as tensões decorrentes da importação de um grande número de “escravos guerreiros” não se confinaram à capitania da Bahia. (SILVA, 2001. p. 41)


https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Debret_-_Negros_Cangueiros.jpg


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Confira também sobre a Revolta dos Malês na Bahia




Referências:

DUARTE, Abelardo. Negros muçulmanos nas Alagoas (os malês). Maceió: Edições Caeté, 1958.

MARQUES, Danilo Luiz. Sob a “sombra” de Palmares: escravidão, memória e resistência na Alagoas oitocentista. Tese (doutorado). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2018.

REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. São Paulo: Brasiliense, 1986.

SILVA, Luiz Geraldo. “’Sementes da sedição’: etnia, revolta escrava e controle social na América Portuguesa (1808-1817)”. “Afro-Ásia”. Salvador, n. 25-26, p. 9-60, 2001.




segunda-feira, 19 de julho de 2021

Independência da Bahia


Contexto: A Revolução do Porto que ocorreu em Portugal, no ano de 1820, foi um movimento que exigiu a promulgação de uma constituição naquele país, estabelecendo dessa forma uma monarquia constitucionalista. As cortes instaladas com essa revolução exigiram o retorno de Dom João a Portugal, o que vai acontecer em 1821; depois também exigiram o retorno de Dom Pedro, que ficou no Brasil na condição de Príncipe Regente


Haverá também um esforço dos portugueses para que o Brasil retomasse seu status de colônia, mas com a Independência em 7 de setembro de 1822 Dom Pedro se torna imperador do Brasil sob o título de Dom Pedro I. É importante ressaltar esses fatores pois eles influenciam os desdobramentos dos conflitos que ocorreram na Bahia.


O Primeiro Passo Para a Independência da Bahia 
(Antônio Parreiras, 1931) (https://pt.wikipedia.org)


Contexto de conflitos na Bahia: As insatisfações eclodiram em 3 de novembro de 1821, quando teve início o primeiro conflito entre partidários da causa do Brasil e os fiéis a Portugal. Neste dia, civis e militares armados ocuparam a atual Praça Thomé de Sousa, adentraram a Câmara Municipal, tocando o sino e conclamando o povo da cidade para exigirem a deposição da Junta Provisória. Em resposta, o brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo, comandante das tropas portuguesas na Bahia, ordenou a ocupação da praça e as ruas adjacentes ao Palácio do Governo e a Câmara para por fim à manifestação, iniciando o primeiro conflito entre brasileiros e portugueses.

Em 18 de fevereiro de 1822, a Junta Provisória reuniu-se com a Câmara e os comandantes militares na tentativa de entrar em um acordo. Propôs-se formar uma junta militar na qual participariam o brasileiro Freitas Guimarães e o português Madeira de Melo, mas este recusou a proposta. Sem acordo no campo diplomático, as tropas portuguesas de Madeira de Melo e as tropas brasileiras (compostas por militares regulares e milícias) entraram em choque.


Em 21 de fevereiro de 1822, a cidade de Salvador amanheceu sitiada pelas tropas portuguesas, o Forte de São Pedro foi ocupado e Manoel Pedro de Freitas Guimarães foi preso e enviado a Lisboa. Em 02 de março de 1822, a Câmara Municipal e a Junta Governativa, após o juramento do General Madeira de Melo, deram-lhe posse no governo da província. Estava instituída a Ditadura de Madeira de Melo. Nas semanas seguintes, os grupos mais abastados gradualmente deixaram a cidade de Salvador para se refugiarem no Recôncavo.


Em junho de 1822, a Câmara de Cachoeira, juntamente com o povo, decidiu aclamar D. Pedro como Regente e Perpétuo Defensor e Protetor do Reino do Brasil. No mesmo mês compôs-se uma Junta Interina, Conciliatória e de Defesa, que tinha como prioridade divulgar a aclamação do Príncipe Regente, bem como as hostilidades e violências perpetradas pelos portugueses contra os brasileiros.


Em julho de 1822, o Exército Pacificador, comandado pelo general francês Pedro Labatut, foi enviado do Rio de Janeiro pelo então Príncipe Regente D. Pedro. Quando assumiu as tropas, o General Pedro Labatut encontrou um exército de voluntários composto por índios, negros e mestiços escravos, livres e libertos, mesclando soldados regulares e voluntários.


Senhores de engenho, autoridades civis e militares reuniram-se no Recôncavo, com o objetivo de instaurar um Conselho Interino de Governo em contraposição a Junta Provisória de Governo da província da Bahia, submissa as decisões de Madeira de Melo. O Conselho Interino agregou baianos de diversas vilas do Recôncavo e interior, sendo responsável pela organização dos batalhões e distribuição de armas e munições às forças milicianas e de voluntários até a chegada do general francês Pedro Labatut.


Em março de 1823, as forças brasileiras na Bahia receberam reforços. O almirante inglês Lord Cochrane, à convite de José Bonifácio, assumiu o comando da Marinha do Brasil com o objetivo de expulsar os navios de guerra portugueses estacionados na Baía de Todos os Santos. 


Entre 23 e 25 de junho de 1823, tomou posse em Cachoeira, em substituição ao Conselho Interino, a Junta de Governo da Província da Bahia, nomeada por D. Pedro I em 5 de dezembro de 1822, com poder de jurisdição em nome do Imperador sob toda a Província da Bahia. Enquanto isso em Salvador, Madeira de Melo preparava a evacuação das tropas portuguesas.


Na madrugada do dia 02 de julho de 1823, as tropas de Inácio Luís Madeira de Melo deixaram a Baía de Todos os Santos. Estavam cercados por terra, pelo Exército Pacificador, e por mar pela esquadra de Lord Cochrane. No entanto, apesar do cerco, o general português recusou-se a assinar a capitulação. Na manhã daquele dia, as tropas brasileiras estacionadas em Pirajá receberam a notícia da partida das forças portuguesas. Para o então comandante do Exército Libertador, o General Lima e Silva, que esperava a capitulação de Madeira de Melo, restou apenas aceitar a fuga portuguesa e guiar as tropas patrióticas pelas ruas de Salvador.



Consequências do conflito

Contribuiu para o fim do domínio português no Brasil, em decorrência da expulsão das tropas portuguesas. Consolidação territorial e política no Brasil Império e para a formação da unidade nacional.


Personagens: 


Joana Angélica: Nasceu em Salvador em 11 de dezembro de 1761. Ingressou no Convento da Lapa aos 21 anos de idade. Os conflitos envolvendo portugueses e brasileiros no processo de independência não pouparam o referido Convento.


Martírio de Joana Angélica
https://pt.wikipedia.org/wiki/Joana_Ang%C3%A9lica#/media/Ficheiro:Joana_Angelica_martirio.jpg


Em fevereiro de 1822, quando Joana Angélica era Abadessa Sóror no Convento da Lapa, tropas lusitanas invadiram o local, pois acreditavam que lá havia oficiais brasileiros escondidos, bem como armas e munições. Joana Angélica, tentando evitar a entrada de soldados em recinto religioso feminino, pôs-se à frente das tropas. Os soldados invadiram o Convento e feriram a Abadessa, que faleceu pouco tempo depois, em 20 de fevereiro de 1822. Hoje Joana Angélica nomeia a principal avenida do bairro de Nazaré, onde se localiza o Convento da Lapa.


Maria Quitéria de Jesus: Nasceu na freguesia de São João de Itaporocas, “campos da Cachoeira”, a 27 de julho de 1798. Teria deixado a fazenda do pai ao escutar notícias dos acontecimentos de 25 de junho de 1822, na Vila de Cachoeira. Com roupa masculina, fornecida por um cunhado, apresentou-se como soldado Medeiros ao Batalhão dos Voluntários do Príncipe, chamado “dos Periquitos”, por causa da cor verde da farda.


Maria Quitéria
https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Quit%C3%A9ria#/media/Ficheiro:Domenico_Failutti_-_Maria_Quit%C3%A9ria.jpg

Por seus atos de bravura em combate, o General Pedro Labatut conferiu-lhe as honras de 1º Cadete. Maria Quitéria também participou do desfile das tropas brasileiras em Salvador em 2 de julho de 1823, sendo recebida festivamente no Largo da Soledade, onde hoje há uma estátua em sua homenagem.


Maria Felipa: Natural de Itaparica, a heroína negra foi uma liderança destacada nas lutas pela independência. Na Ilha de Itaparica, comandou dezenas de homens e mulheres, negros e índios, na queima de 42 embarcações portuguesas durante a batalha de 7 de janeiro de 1823.


Maria Felipa
https://www.geledes.org.br/quase-um-seculo-depois-moradores-incluem-nome-de-maria-felipa-entre-os-herois/



Índio Bartolomeu: Combatente de origem indígena, também conhecido como Jacaré, chefiou uma tropa de índios tapuias flecheiros oriundos de Maçarandupió, Soure e Mirandela, no Litoral Norte do Estado. Sua tropa de índios integrou a Companhia da Torre dos Garcia D’Ávila, comandada pelo Tenente Agostinho Moreira Sampaio, e juntos participaram da Batalha de Pirajá, na madrugada de 8 de novembro de 1822, quando as tropas portuguesas tentaram tomar a região de Pirajá, sendo derrotados.


João das Botas: João Francisco de Oliveira ou simplesmente João das Botas, foi Segundo Tenente da Armada Nacional e Imperial. Apesar de ter sido oficial da marinha portuguesa, aderiu à autoridade do Príncipe Regente D. Pedro quando das lutas pela independência. Lutou contra seus compatriotas, liderando populares em Cachoeira, Santo Amaro e São Francisco do Conde para armarem barcos e combaterem os portugueses, contribuindo para a formação da marinha nacional.


General Pedro Labatut: Foi contratado pelo governo de D. Pedro para chefiar as lutas contra a ocupação portuguesa na Bahia. A chegada de Labatut mudou os rumos da guerra no solo baiano. O general foi responsável pela organização do chamado Exército Pacificador, transformando os grupos armados dispersos sob comando de civis em um exército disciplinado, forte e leal ao Imperador D. Pedro. Em homenagem ao general, construiu-se um busto no bairro de Pirajá, onde autoridades depositam flores em sua honra anualmente no dia 2 de julho.


Lord Cochrane: Recebeu a alcunha de “Lobo do Mar” dada por Napoleão e “El Diablo” pelos espanhóis, hoje nomeia uma praça e uma rua na cidade de Salvador. Teve um papel marcante na Independência do Brasil na Bahia, principalmente interceptando navios lusitanos na Baía de Todos os Santos, além do efeito psicológico que exerceu sobre os adversários portugueses por sua fama.


Confira o vídeo deste conteúdo


Independência do Brasil




domingo, 18 de julho de 2021

Revolta dos Malês na Bahia (1835)


Nesse texto vamos observar o contexto da revolta, algumas de suas consequências. Iniciando, portanto, do contexto: essa revolta ocorreu no Período Regencial, 1831 a 1840, momento que se insere no Brasil Império. O Período Regencial foi antecedido pelo Primeiro Reinado (1822-1831), que teve seu início com a Independência no ano de 1822, e vai até 1831, quando inicia o Período Regencial; e termina em 1840, quando se dá início o Segundo Reinado, a partir da maioridade de Dom Pedro II. O Período Regencial foi governado pela Regência Trina e posteriormente pela Regência Una. No primeiro caso, três pessoas governavam o país; no segundo, uma pessoa era o regente. 



Brasil Império (1822-1889)


Esse período foi um momento de bastante instabilidade com diversos motins e revoltas no país que contestavam o poder central, nesse caso o poder no Rio de Janeiro. Dentre os movimentos de contestação temos a Revolta dos Malês e a Sabinada como duas revoltas que ocorreram na Bahia durante o período regencial. 


Trataremos aqui da Revolta dos Malês.  Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos de origem africana e também libertos, ou seja, ex-escravos também participaram ocuparam as ruas da cidade de Salvador na Bahia e durante mais de 3 horas enfrentaram soldados e civis armados. Os organizadores do levante eram malês, como era conhecido na Bahia da época os africanos mulçumanos, não há sombra de dúvidas sobre o papel central desempenhado pelos muçulmanos na rebelião de 1835. 


Os rebeldes foram para as ruas com roupas só usadas na Bahia pelos adeptos do islã. No corpo dos que morreram, a polícia encontrou amuletos muçulmanos e papéis com rezas e passagens do Alcorão. A rebelião de 1835 não foi uma explosão espontânea, resultado de apressada decisão, como por vezes acontecera com revoltas escravas anteriores. Houve um período, longo talvez, de gestação.

Os malês encontraram na Bahia de 1835 um campo fértil onde semear a rebeldia escrava e tentar mudar a sociedade em favor dos africanos. Fundada na desigualdade étnico-racial e social, a Bahia vivia uma profunda crise econômica e política.


Pelourinho


A Revolta do Malês se insere no contexto das revoltas sociais do Brasil Imperial, demonstrando a insatisfação do povo com a situação política e econômica e, no caso específico, a perseguição e falta de liberdade religiosa no Brasil durante o Império.


Temos assim, que a Revolta dos Malês foi uma revolta que ocorreu em Salvador ano 1835, portanto, dentro do período regencial do Brasil império. Foi liderada por escravos e ex-escravos muçulmanos de origem africana e foi uma revolta planejada com um caráter tanto religioso quanto político, econômico e social.


Ocorreu a morte de sete soldados e setenta revoltosos, aproximadamente. Foram mais de duzentas prisões e as condenações foram de penas de morte, aos trabalhos forçados na galês e degredo para a África. O governo efetivou um endurecimento das leis e aumento da repressão em decorrência do medo de novo levante.


Vídeo sobre a Revolta dos Malês



Confira também sobre a Revolta dos Malês em Alagoas


Assista o Documentário produzido pelo SESC sobre o tema:


Referência:
REIS, João José Reis. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos Malês (1835). São Paulo: Brasiliense, 1986.


sábado, 17 de julho de 2021

Emancipação de Alagoas

A independência do território que hoje compõe o Estado de Alagoas é um tema permeado por algumas polêmicas. Alguns alegam que esse território veio a desmembrar-se de Pernambuco em 1817 em decorrência da sua negativa em aderir ao movimento denominado de Revolução Pernambucana; e outros afirmam que a decisão do rei português D. João VI foi um reconhecimento por parte do monarca das características da região, por ela dispor de um perfil econômico autônomo à capitania pernambucana. Na avaliação de Cícero Péricles de Carvalho, essa questão se encontra “sem consenso entre os historiadores”, e “se mantém como um tema aberto a discussões” (CARVALHO: 2015, p. 148).


Quanto ao impacto da Revolução Pernambuco sobre “Alagoas”, o supracitado autor é do posicionamento que aquele levante 

gerou um quadro favorável para que as forças monarquistas de Alagoas dessem um passo adiante em sua autonomia política. A fidelidade do governo da comarca [de Alagoas] e sua posição antirrepublicana podem não ter sido a causa única da criação da nova capitania, mas, com certeza, colaboraram para a decisão real, antecipando uma medida que seria tomada num futuro incerto” (CARVALHO: 2015, p. 148).


Quem é de opinião que o ato real está relacionado a Revolução Pernambucana é o autor alagoano Moreno Brandão: 

Visando enfraquecer Pernambuco, amesquinhando-lhe a vastidão territorial, e galardoar aos serviços prestados por Alagoas na debelação do movimento de 1817, o rei D. João VI resolveu-se a separar a antiga comarca da indômita capitania, dando-lhe os foros de independente. Assim o fez por decreto de 16 de setembro de 1817” (BRANDÃO: 1908, p. 42).


Posicionamento distinto é descrito por outro autor alagoano, Craveiro Costa. Para ele, “o Decreto Real que lhe confere essa investidura não deixa perceber, como se tem dito, visar o governo o enfraquecimento do Pernambuco. Criava-se a capitania das Alagoas porque assim o convinha”. Esclarecendo que mesmo sendo “provável que o enfraquecimento de Pernambuco, operando-se pela diminuição de seu território e população, tivesse sido uma das razões da criação da capitania. Mas não seria, e não foi, a razão precípua do ato real. Porque esse enfraquecimento poder-se-ia efetuar, anexando-se a comarca das Alagoas à Bahia”. O que, no fundo, garantia a emancipação de Alagoas era “o desenvolvimento da comarca”, que “justificava amplamente a constituição de uma nova capitania”. Ou seja, foram os “fatores econômicos [que] haviam dado ao território alagoano os elementos indispensáveis à sua autonomia” (COSTA: 1983, p. 88-89).


Fato é que naquele ano de 1817, durante a Revolução, o Ouvidor* da Comarca* de Alagoas, Antônio Ferreira Batalha, desmembrou sua jurisdição de Pernambuco e formou uma junta governativa provisória. E somente no dia 16 de setembro daquele ano foi promulgado o Decreto Real, tornando oficial a autonomia de Alagoas frente a Pernambuco. A Comarca passou a se denominar Capitania de Alagoas, mas essa nomenclatura durou apenas até 1821 quando o governo português determinou que as Capitanias fossem agora denominadas Províncias; desta forma, a partir daquele ano teve-se a denominação de Província de Alagoas. Com o advento da República, em 1889, as Províncias passaram a ser nomeadas de Estados; passando, desta forma, o território a se chamar Estado de Alagoas.


https://dados.al.gov.br/catalogo/dataset/mapa-politico-administrativo-do-estado-de-alagoas

Revolução Pernambucana



Referências:

BRANDÃO, Moreno. História de Alagoas. Penedo, AL: Artes Graphicas Tyyp. e Pautação, 1909.

CARVALHO, Cícero Péricles de. Formação histórica de Alagoas. 3ª Ed. Maceió: EDUFAL, 2015.

COSTA, Craveiro. História das Alagoas. São Paulo: Comp. Melhoramentos, 1983.


* Comarca: "divisão político-administrativa da capitania, facilitava o controle metropolitano sobre as populações e as atividades econômicas desenvolvidas na região. Em cada Comarca existia uma vila principal, escolhida como sede administrativa ('cabeça da comarca'), onde eram instalados os órgãos públicos e as autoridades coloniais, como os Ouvidores". (Dicionário Histórico Brasil: colônia e império. Ângela Vianna Botelho e Liana Maria Reis)

*Ouvidor: "mais alta autoridade judiciária nas capitanias, exercia jurisdição sobre o crime e o civil. De acordo com os regimentos, os ouvidores no Brasil exerciam funções atribuídas aos corregedores na Metrópole, ou seja, dirigiam também o policiamento. Das sentenças emitidas pelo juiz ordinário cabia apelação para o ouvidor de cada comarca". (Dicionário Histórico Brasil: colônia e império. Ângela Vianna Botelho e Liana Maria Reis)